sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O oceano do futuro

Imagine ver, em um tanque de plástico de 130 litros, como será o oceano daqui a um século. Esta é a proposta dos pesquisadores do Projeto Coral Vivo, patrocinado pela Petrobras. O grupo construiu um sistema, com 16 tanques ligados direta e permanentemente ao mar, em Arraial d'Ajuda (BA). Em cada um deles serão colocadas espécies típicas daquele litoral: estrelas-do-mar, ouriços, algas calcárias, até micro-organismos. Mas, principalmente, recifes de corais.
O Brasil é um dos únicos países do Hemisfério Sul a contar com estas estruturas em seu litoral - o outro é a Austrália. As 16 espécies conhecidas no mundo sofrem dos mesmos estresses: os oceanos estão mais quentes e ácidos, o que contribui para sua corrosão.
- O diferencial desse sistema é que nossos tanques nunca perderão a conexão com o mar, a 500 metros dali - explica Emiliano Calderon, professor visitante do Museu Nacional e pesquisador associado do Coral Vivo. - A qualidade da água, portanto, será sempre a mesma. A luminosidade também. Sendo fiel a este marco zero, é provável que nos aproximemos mais do que ocorrerá no futuro.
Calor fará algas produzirem toxinasA ligação com o oceano estará à disposição dos pesquisadores a partir da semana que vem, e em setembro eles vão se reunir para escolher que cenários vão simular nos tanques.
De acordo com as projeções do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, a temperatura dos oceanos pode aumentar entre 2 e 4 graus Celsius até o fim do século. Nenhuma dessas possibilidades é recebida com otimismo pelos estudiosos.
Boa parte da fisiologia dos animais é regulada pelos termômetros. Apenas 1 grau Celsius a mais pode fazer algas, que vivem dentro do coral, produzir radicais livres tóxicos para aquela estrutura. As algas acabam expulsas, mas, como elas são responsáveis por sustentar o coral - o que fazem pela fotossíntese -, o organismo inteiro é comprometido e pode morrer.
- Os tanques funcionarão como máquinas do tempo - compara Calderon. - Em um, manteremos temperatura e pH da água exatamente como são hoje. Nos outros três, vamos aumentar a temperatura, deixar a água mais ácida. Assim saberemos a resistência dos organismos que estão ali dentro e se podemos esperar que eles sobrevivam às próximas décadas.
O pH da água é, em média, 7. Se este índice diminuir 0,3 ou 0,4 - como apontam algumas projeções para daqui a cerca de 20 anos -, haverá consequências drásticas para a biodiversidade.
- Num ambiente mais ácido, o esqueleto calcário se dissolve. Já encontramos, inclusive, organismos com deformações - alerta o pesquisador. - E, em cima desse esqueleto, existe uma fauna, de micro-organismos a peixes, que vive associada aos recifes. Se houver um problema naquele material que sustenta a todos esses seres, sua abundância é comprometida.
Os recifes, portanto, são fundamentais para quem estuda a variedade das espécies marinhas. E, como se fazem mais presentes na Bahia, este foi o local escolhido para o estudo. Em Búzios, de acordo com Calderon, há estruturas semelhantes, embora menos diversas.
O sistema de tanques a ser inaugurado na semana que vem será o primeiro da América Latina. Ainda assim, no que se refere ao estudo de mudanças climáticas na costa, o Brasil ainda está "dez anos atrás" da Austrália, segundo o pesquisador do Coral Vivo.
- Este acompanhamento já é feito há tempos na Oceania, mas não podemos usar os dados obtidos ali como válidos aqui - ressalta. - Um recife da Austrália pode ter uma resistência diferente da de um brasileiro. Em cada local a temperatura e a acidificação dos mares ocorrerá de uma forma diferente.
Segundo o Censo da Vida Marinha - contagem encerrada no ano passado, após uma década -, o homem conhece cerca de 230 mil espécies que habitam os oceanos. Os litorais do Japão e da Austrália são as zonas de maior biodiversidade. O Brasil tem 9.101 espécies em sua costa, sendo a maioria crustáceos, moluscos e peixes.
Biólogos estimam, no entanto, que os números conhecidos ainda estão muito aquém da realidade. Estimativas indicam que até 1 milhão de espécies habitariam os oceanos. Teme-se que, com fatores como mudanças climáticas e poluição, centenas delas morram sem jamais ter sido registradas.

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