sábado, 17 de março de 2012

Marx e o Ipad


“A mercadoria é misteriosa simplesmente por encobrir as características sociais do próprio trabalho dos homens, apresentando-as como características materiais e propriedades sociais inerentes aos produtos do trabalho; por ocultar, portanto, a relação social entre os trabalhos individuais dos produtores e o trabalho total, ao refleti-la como relação social existente, à margem deles, entre os produtos do seu próprio trabalho”. (Karl Marx / O Capital – Livro 1 (“O processo de produção do capital”) – Volume 1 – Primeira Parte (“Mercador e Dinheiro”) – Capítulo 1 (“Mercadoria”) – Item D (“Forma dinheiro do Valor”) – “O Fetichismo da mercadoria: seu segredo” / Editora Civilização Brasileira / Tradução de Reginaldo Sant’Anna)

A primeira edição deste livro foi publicada há exatamente 145 anos! Mas, poucos livros escritos nos dias de hoje são tão atuais. Infelizmente, ao longo especialmente do século XX, interpretou-se que o cerne da obra de Marx estaria na crítica à apropriação privada do excedente da produção e consequentemente na desigual distribuição deste excedente entre capitalistas e trabalhadores. Com isso, surge uma visão do marxismo como o defensor do trabalho contra o capital. Se é verdade que Marx criticou essa distribuição desigual e seus efeitos deletérios, sua crítica principal, contudo, foi justamente à criação de um mundo onde todos (inclusive os burgueses) se tornaram escravos do trabalho. Marx não pretendia libertar os trabalhadores dos capitalistas, apenas. Sua utopia era libertar a humanidade da escravidão do trabalho. Daí que seu principal livro começa com uma análise daquilo que é a manifestação concreta do “trabalho abstrato”: a mercadoria.

Pois bem, poucas coisas no mundo de hoje espelham tão fielmente a citação acima de Marx do que um Ipad. Muito maior do que a distância em quilômetros que nos separa da China é a distância construída, na mente dos consumidores, entre um Ipad e as fábricas da Foxconn onde eles são feitos. Assim, os Ipads surgem como um produto já dado desde sempre, algo que o gênio humano criou sob inspiração divina sem que fosse necessário o trabalho, a labuta, de quem quer que seja. Trocamos a mercadoria-dinheiro por um Ipad deixando oculta “a relação social entre os trabalhos individuais dos produtores e o trabalho total” e vendo as funcionalidades de um Ipad nascerem diante dos nossos olhos como “características materiais e propriedades sociais inerentes aos produtos do trabalho”.

Passados 145 anos, nunca isso foi tão verdade.
Blog do Gindre

Um comentário:

Carolina Conceição disse...

Muitos pensadores da atualidade, marxistas ou não, concordam que as as idéia de marx não encontram um terreno mais fértil do que esse da globalização, tanto das coisas, quanto das idéias.