terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O Politicamente correto e a sua política de desconstrução

Rogério Carvalho é professor de história e presidente do PSOL de  Cabo Frio
O teórico cultural Stuart Hall tem estudado o que chama de descentramentos identitários provocados pela globalização. Baseado em outros teóricos como David Harvey e Antony Giddens, ele avalia os danos causados pela diminuição das distâncias culturais promovidas pelo desenvolvimento dos meios de comunicação e de transportes.

Os argumentos de Hall são facilmente comprovados a partir de uma superficial observação no nosso cotidiano caracterizado pela efemeridade estrutural das nossas ideias e relações, sem falar da crescente influência da cultura estrangeira, verdade incontestável e inexorável do nosso “estrangeirístico” cotidiano. Até aí tudo bem, podemos justificar tal tendência como um ditame das imperiosas necessidades do capitalismo. Uma “novidade” sempre presente na cultura brasileira, legitimada pela mídia e pelos grupos que dela extraem e exercem poder. Mas um tipo curioso de desconstrução identitária vem ocorrendo por conta da onda do politicamente correto: trata-se da alteração de elementos culturais por conta da formação de uma geração politicamente correta.

As crianças hoje não cantam mais “O Cravo brigou com a Rosa”, para não mais fazer apologia à violência contra a mulher (o que poderia levar o cravo a ser enquadrado na Lei Maria da Penha), assim como também não mais cantam “Atirei o Pau no Gato”, para não incentivar a violência contra os animais, nem o “Sou Pobre, pobre, pobre....” para que não seja exaltada a patente desigualdade social entre os homens. Ridículo, se pensarmos que a nossa geração cresceu assistindo a perversidade do Pica-pau, a infindável violência entre o Tom e o Jerry e seguimos com as deliciosas desventuras humanas no seriado Os Simpsons!

No fim do ano passado meu filho representou na escola o deus grego Ares, Marte para os romanos e senhor da guerra. Providenciamos a fantasia: um elmo, um colete e uma espada de plástico. A espada foi vetada! Armas não! Mas no canal Disney XD, a pistola NERF, que atira dardos é a nova sensação entre a garotada. Por falar em crianças, algumas continuam vendendo bala no sinal, diante da omissão das autoridades, que com certeza argumentam para os seus filhos que isso acontece por culpa dos próprios, uma vez que diante da lei todos somos iguais e trazemos a constitucional igualdade de direitos e oportunidades.

A onda do politicamente correto ignora a tradição sob o véu do modismo e faz vista grossa no cenário de desconstrução identitária. Elementos folclóricos como o Saci e a Mula sem cabeça, estão praticamente fora de algumas escolas graças ao processo de evangelização do ensino , que os consideram “coisas do Capeta”, no entanto em outubro muitas escolas festejam o Halloween promovendo a ideia de que algo se torna legítimo pelo seu potencial comercial.

Existe festividade mais excludente que o Natal? “...como é que o Papai Noel, não se esquece de ninguém....”. Seu significado religioso, por muitos é relegado a um segundo plano, isso quando é considerado.

Quem idealiza o que é politicamente correto? O senso comum! O que é o senso comum? Uma construção cultural! Quem manipula a cultura? A mídia! Quem é a mídia? Um grupo de pessoas que vivem e pensam de maneira diferente da maioria da população. Pessoas que possuem um olhar voltado para as tendências; para propagar tendências. Alquimistas culturais cujo experimento é reordenação dos valores para atender ao mercado e que ao longo da sua experiência testam incessantemente a sua capacidade de persuasão.

Não podemos mais ignorar as transformações culturais desse fenômeno que alguns teóricos culturais chamam de Pós-modernidade. Não podemos também negar as benesses da globalização cultural que vivenciamos, mas a preservação dos nossos valores, sejam eles individuais, locais, regionais ou nacionais, é uma tarefa pessoal que não deve sofrer passivamente a influência desses “experimentos culturais“ que nos são impostos, sob pena de perdermos a nossa já combalida identidade cultural.

Professor Rogério Carvalho

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