domingo, 20 de janeiro de 2013

Sucesso da educação em São Paulo: Ritalina!


Um levantamento feito por 40 entidades de saúde e de educação do País mostra que, no intervalo de um ano, o Sistema Único de São Paulo (SUS-SP) aumentou em 54,9% a compra e a distribuição gratuita de metilfenidato (Ritalina é o nome comercial), a chamada "droga da obediência".

O medicamento é um estimulante cerebral usado, especialmente, em crianças do sexo masculino com até 12 anos e que se enquadram nos sintomas de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).

A doença é um dos problemas sociais mais estudados na atualidade, por psicólogos, psiquiatras, pediatras, neurologistas e professores do mundo todo.

Não foi só a rede pública paulista que registrou aumento da distribuição do fármaco entre 2010 e 2011 – conforme mapeou o Fórum sobre Medicalização da Sociedade e da Educação. Na rede de farmácias particulares o mesmo fenômeno é atestado.
Levantamento feito pelo Sindusfarma, que reúne as drogarias do País, apontou que o crescimento foi de 50% nas vendas no período de 4 anos. Entre setembro de 2007 e outubro de 2008 foram vendidas 1.238.064 caixas, enquanto entre setembro de 2011 e outubro de 2012 os números passaram para 1.853.930.

O TDAH é um transtorno grave que afeta a parte do cérebro responsável pela concentração e pelo controle dos impulsos e da agressividade. Em uma analogia, o neurologista da Academia Brasileira de Neurologia, Marco Antônio Arruda, explica que o cérebro é dividido em “aceleração, embreagem e breque, como um automóvel”.

“Os portadores de TDAH apresentam falhas na parte do breque”, compara o médico.

“São crianças extremamente hiperativas, impulsivas, desconcentradas e que sofrem muito com isso”, afirmou Arruda, que é um dos principais pesquisadores nacionais do tema.

O diagnóstico do TDAH é feito por meio de avaliação clínica, observando os sintomas impostos pela doença. Por ora, não há um exame laboratorial, como raio-X ou ressonância magnética por exemplo, capaz de apontar alterações cerebrais que evidenciem a doença. Neste contexto, o uso da "droga da obediência" não é uma unanimidade entre os especialistas.


Contra e a favor
Na divisão de opiniões, os defensores do remédio apontam que ele ameniza problemas sérios e traumáticos vivenciados pelas crianças com TDAH. Para eles, o aumento da entrega nas farmácias públicas e das vendas nas unidades privadas indica acolhimento dos pacientes que antes ficavam distantes do tratamento.

“Não raro, meninos e meninas com apenas 6 anos chegam ao meu consultório afirmando que não querem mais viver, que não conseguem se relacionar na escola e na vizinhança, vivendo em solidão absoluta”, afirmou Marco Antônio Arruda que acaba de finalizar estudo que mapeou a incidência de déficit de atenção no País.

Foram avaliadas 8 mil crianças, entre 6 e 12 anos, de 18 Estados e 87 cidades brasileiras. Na pesquisa – que teve apoio de universidades da Itália e dos Estados Unidos – o índice de TDAH encontrado foi de 3,9%, montante que não variou na comparação de renda e escolaridade dos participantes.

“É uma parcela importante da população infantil que carece destes cuidados. Saber que há um aumento do uso do medicamento pode indicar que os médicos estão mais sensíveis em identificar e tratar estas crianças”, completa o psiquiatra e doutorando pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Daniel Segenreich.

A Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo também atribui o aumento da distribuição da droga ao crescimento do número de diagnósticos. Em nota, informou que a maior entrega "está associada também a ampliação do número de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) no município. Eram 60 unidades em 2009 e 79 em 2012". Segundo a nota, só recebe o medicamento a criança que tem diagnóstico respaldado por médicos especializados.

Já parte dos estudiosos enxerga exagero na utilização do medicamento. Para os integrantes do Fórum sobre Medicalização – entidade autora do levantamento feito na rede pública paulista – a "droga da obediência" pode estar sendo usada como muleta para curar comportamentos que podem ser apenas características pessoais dos pacientes, como timidez, indisciplina ou dificuldade de aprendizagem.

“Em nosso levantamento chamou atenção o aumento em progressão geométrica da distribuição deste medicamento. Não há nenhum fato concreto na saúde pública paulista que justifique os números (em cinco anos, a elevação foi de 30 vezes)”, avalia a presidente do Conselho de Psicologia de São Paulo, Carla Biancha Angelucci, que é membro do Fórum de Medicalização.

“Vivemos em uma sociedade que convive com um sistema de educação com pouca qualidade. Ainda assim, é esperado que a criança aprenda em um determinado tempo e velocidade e apresente um tipo de comportamento. Se ela foge disso, acaba enquadrada como portadora de uma doença”, afirma Carla.

“Oferecer um medicamento para uma criança sem um debate honesto e amplo sobre a qualidade da escola, a participação da família neste processo é individualizar o problema. É culpar a criança pelas situações que ela enfrenta e acreditar que a solução está em uma pílula.”

Para a pediatra do Hospital São Luiz, Alessandra Cavalcante, para avaliar o comportamento dos filhos é preciso antes olhar a postura dos pais.

"Identificar que uma criança não respeita limites exige atentar se os pais, de fato, estão impondo limites para esta criança."

O neurologista Marco Antônio Arruda concorda que o diagnóstico do TDAH precisava avaliar todo o contexto em que o paciente está inserido, mas rebate a ideia de excesso de medicamentos com um dado encontrado em seu estudo:

“Da parcela com diagnóstico claro e preciso de déficit de atenção, só 13% estavam em tratamento. Como falar em excesso se quase nove em cada dez crianças estão sem acesso aos remédios?”, questiona.


Cérebro dopado
Na discussão sobre excessos e deficiências do uso do medicamento para o TDAH, é consenso que há espaço para debater a utilização errada e perigosa da droga. A psicóloga do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Silmara Batistela, estudou o uso deturpado do metilfenidato.

Segundo ela, há adultos e adolescentes utilizando por conta própria as drogas, com a falsa ideia de melhorar o desempenho em provas, concursos públicos e no trabalho. Tanto que a “droga da obediência” também já foi apelidada de “droga do concurseiro” e “droga do executivo”.

“Neste cenário, recrutamos jovens, a maioria universitário, para avaliar se o fármaco traria impacto positivo no desempenho cognitivo (inteligência). Fizemos a avaliação de 36 jovens, com acompanhamento médico minucioso, que faziam avaliações com e sem a medicação. Detectamos que o efeito na melhora da inteligência é nenhum”, divulgou Silmara.

“Ao contrário. Estes usuários, por não apresentarem nenhum problema cerebral e mesmo assim usarem uma droga que altera o cérebro, podem ter a memória comprometida, problemas cardíacos sérios e sofrer desmaios”, alertou a psicóloga.

“Agora, quem convive com este problema cerebral é beneficiado pelo medicamento.”

Para o psiquiatra Segenreich, a única forma de acabar com o debate sobre excessos e carências do remédio para o TDAH é atuar em duas frentes.

“O mau uso das medicações deve ser combatido com veemência. Mas deixar os pacientes que precisam sem medicação é um erro tão grave como não fiscalizar quem utiliza de forma inadequada.”

iG

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