domingo, 31 de março de 2013

Maria, me traga um copo d’água!


Vira, mexe, remexe, o reacionarismo brasileiro, com seus privilégios ameaçados, vem à tona. Basta um pequeno passo em direção à igualdade para que, mesmo querendo se esconder atrás de argumentos “empíricos”, saia da toca e se apresente sem máscara ou filtro.

Não são raros esses momentos. As cotas, o voto de analfabetos, o direito dos trabalhadores rurais, o sufrágio feminino, o direito à greve e à sindicalização ou o fim da escravidão, tiveram em comum um progresso da ideia de igualdade.

Todos também provocaram celeumas, comichão e coceiras naqueles privilegiados. Como assim mulher votar ou trabalhar? E a sacralidade da família? E meu lar e meus filhos? Quem cuidará? (Minha mulher trabalhando? Tendo uma vida autônoma? Tenho medo!)

Na terça-feira (26), demos mais um passo nesta direção. Foi aprovada a “PEC das domésticas”, que iguala os direitos destas ao de qualquer outro empregado. Cerca de 4 milhões de trabalhadores, a maior categoria, estavam à margem da igualdade. Tinham menos direitos que os outros.

Bastou. Os nossos queridos reacionários avançaram em busca de argumentos do aumento do desemprego dos trabalhadores domésticos para justificar que a lei seria ruim.... para estes!

O “argumento” funciona assim: Mais direitos, mais custos. Como uma parte (chutam um número qualquer, “a maioria” de preferência), como “a maioria” não vai poder pagar estes custos, a suposta beneficiada pela lei será, de fato, a mais prejudicada!

Fico comovido com tamanho altruísmo. Sério. Encantado como nós, os brasileiros cordiais, pensamos no bem dos outros.


Foi assim também quando pensamos no emprego dos trabalhadores rurais. Estes não sabiam, coitados, burrinhos que são, mas fomos contra a expansão dos direitos trabalhistas porque pensamos nos salários deles, em como iam criar sua prole, suas crias, se fossem demitidos por terem virado mão de obra cara.

Também, vejam, fomos contra a abolição da escravidão. Dos escravos nós cuidávamos, e bem, afinal somos cristãos. Com a libertação, iam ficar sem comida, vadiando pelas cidades, em uma vida miserável. Na senzala tinham teto, comida, afeto.

Domésticos, nós somos seus amigos. Você é quase da família, oras! Não se senta à mesa para almoçar conosco porque seu uniforme está sujo, e não é de bom tom sentar à mesa com uma roupa engordurada assim.

Por isso, caros, não se iludam. Igualdade é ruim para vocês. E, bondosos que somos, sempre pensamos em vocês primeiramente.

Mas chega de papinho furado que não estou com a vida ganha, que não tenho ninguém que cuide de mim como cuido de você, Maria.

Aliás, Maria, traga um copo d'água AGORA para Pedrinho, que vai jogar o videogame novo que comprei com meu 13º. Seja rápida!

Walter Hupsel   On the Rocks

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