quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Por reconciliação verdadeira, Israel deve pedir perdão aos palestinos

Em entrevista a Opera Mundi, realizada poucos dias antes de completar 90 anos, o veterano pacifista israelense Uri Avnery esboça sua visão sobre os passos necessários para que haja finalmente uma reconciliação verdadeira e duradoura entre israelenses e palestinos.

Avnery, que lutou pela independência de Israel na guerra de 1948 e ficou gravemente ferido, foi o primeiro israelense que cruzou, literalmente, as linhas e se encontrou com o lider palestino Yasser Arafat, durante a guerra do Libano em 1982, em um bunker em Beirute. O momento aconteceu durante o bombardeio da Força Aérea de Israel à capital libanesa.

Além de sua importante contribuição à paz entre os dois povos, Avnery também tem um papel significativo na construção da imprensa israelense, pois vários  jornalistas que se encontram hoje em postos-chave da midia local aprenderam a profissão trabalhando na revista que editava – Haolam Hazeh.

Desde 1946, Avnery vem dedicando sua vida à paz entre israelenses e palestinos e, apesar de todos os obstáculos, mantém o otimismo. Recentemente lançou, no Brasil, o livro Outro Israel, pela editora Civilização Brasileira.
Manifestação em Tel Aviv, Avnery, ao lado da esposa, Rahel
Opera Mundi Em vários de seus textos o senhor afirma que Israel deve pedir desculpas aos palestinos pelas injustiças que cometeu. Por que esse gesto é necessário?
Uri Avnery – Em meus encontros ao longo dos anos, com todos os tipos de palestinos, senti que, mais do que qualquer outra coisa, o que lhes dói é o sentimento de injustiça histórica que lhes foi feita. Outro povo se apossou de seu país, de sua pátria.

Do ponto de vista histórico não há dúvidas de que a ideia sionista se baseia em uma injustiça histórica aos palestinos. Essa terra era a Palestina, um país árabe durante 1.300 anos, e um belo dia chegam pessoas de fora que afirmam que estiveram aqui há 2 mil anos e, de maneira sistemática, no inicio por meios pacíficos e depois por meios violentos, tomam 78% da terra e ainda podem vir a tomar os 22% restantes. Expulsam metade do povo e ainda podem vir a expulsar a metade restante.

O que foi feito não é possível apagar, mas é possível corrigir em parte por intermédio da criação de um Estado Palestino e da devolução dos 22% da terra que foram ocupados durante a guerra de 1967, inclusive Jerusalém Oriental.

No entanto, o sentimento profundo de que eles sofreram uma injustiça vai permanecer, e por isso devemos pedir perdão.

Os judeus tiveram razões muito boas para vir para cá, em decorrência de uma necessidade existencial profunda. Mas isso não altera o fato de que foi causada uma injustiça histórica aos palestinos. A obtenção da justiça para os judeus foi feita por intermédio de uma injustiça profunda, histórica, aos palestinos. Esse é um assunto de caráter psicológico e sabemos que gestos históricos podem mover montanhas.

Vale lembrar o gesto histórico de Willy Brandt (ex-chanceler alemão), que se ajoelhou e perdiu perdão ao povo judeu no Gueto de Varsóvia, esse gesto teve um impacto enorme. Em algum momento nós também teremos que fazer um gesto semelhante.

OM – O senhor acha que a sociedade israelense é capaz de fazer um gesto desse tipo?
UA – Hoje obviamente não. Mas espero que, no contexto da paz, como resultado do acordo, isso seja possível.

Os dois povos já se encontram em conflito há 131 anos, desde 1882, quando teve inicio o projeto sionista de colonização da Palestina. É necessário fazer tudo para finalmente obter uma reconciliação verdadeira entre os dois povos.

O que houve aqui não tem precedentes na História e por isso é tão dificil de resolver. Dois movimentos nacionais surgiram ao mesmo tempo, com o objetivo de realizar suas aspirações na mesma terra.

O movimento nacional sionista surgiu da necessidade desesperada dos judeus europeus, quando movimentos antissemitas nacionalistas se fortaleceram em toda a Europa.

(Theodor) Herzl e seus parceiros tiveram uma visão quase que profética, eles entenderam, já no fim do século 19, que a situação dos judeus na Europa iria piorar, porém acho que nem eles imaginavam o Holocausto. Entenderam que era preciso criar uma nova nação – a nação judaica – pois as tentativas dos judeus de se assimilar na Europa haviam fracassado.

O resultado é que o movimento sionista veio para uma terra que não lhe pertencia, construiu povoados e quando tornou-se forte o suficiente tomou quase a terra toda.

Eu faço parte disso, lutei na Guerra da Independência, em 1948, quando tinha 24 anos. Disparei milhares de tiros e não sei quantas pessoas feri ou matei – nosso batalhão lutava principalmente durante a noite.

De qualquer maneira, assumo a responsabilidade por tudo que aconteceu aqui.

No entanto, antes daquela guerra eu já defendia uma aliança com o movimento nacional árabe. Em 1946 escrevi um manifesto chamado Guerra ou Paz na Região Semita, no qual propus que o movimento nacional hebraico e o movimento nacional árabe se unissem para expulsar o Mandato Britânico.

OM – Para agilizar o acordo de paz, o que o primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, deve fazer?
UA - Netanyahu e Abu Mazen (Mahmoud Abbas) devem nomear equipes conjuntas para discutir cada um dos temas principais do conflito – fronteiras, refugiados, assentamentos, segurança, Jerusalem etc.

As equipes devem formular os pontos em que já existe acordo e os pontos de divergência, incluindo os argumentos dos dois lados.

Depois de terminado o trabalho das equipes, os próprios lideres devem negociar e decidir quais concessões farão.

É possivel fazer a paz em uma semana. Todas as condições para a paz já são conhecidas há muitos anos, as sabemos de cor, podemos citá-las dormindo. O que falta é a vontade politica. Netanyahu acredita na Grande Israel. Foi criado por um pai ultra-radical e terá que ultrapassar suas barreiras internas.

Ele também lidera um partido cada vez mais radical, e terá que se sobrepor ao próprio partido. Além disso, seus parceiros na coalizão governamental são ainda mais direitistas do que o Likud.

Porém, se Netanyahu oferecer um acordo de paz ao Parlamento, tenho certeza de que irá obter o apoio da maioria dos deputados, pois a oposição aprovará o acordo. Ele também obterá a aprovação da maioria da população.

OM – E o presidente palestino Mahmoud Abbas? O que ele deve fazer para agilizar o acordo?
UA – Para que um acordo possa ser implementado é importante que haja uma reconciliação entre o Fatah e o Hamas.

Mas o Hamas é uma organização problemática, pois sofre de uma contradição interna entre sua visão teológica e o pragmatismo politico. Ideologicamente o Hamas sempre vai ser contra um acordo pois acredita que a Palestina é terra sagrada do Islã, na qual não pode haver um Estado judaico.

Outra questão é o momento adequado para a reconciliação entre as facções palestinas. Se houver uma união nacional antes do acordo, o Hamas poderá colocar obstáculos no caminho do acordo. Por outro lado, Abbas não poderá implementar o acordo sem a reconciliação com o Hamas.

OM – E os mediadores norte-americanos, o que o senhor acha que devem fazer?
UA – Acho que o governo americano deve esboçar os parâmetros para a negociação, segundo o consenso internacional, deve colocar na mesa de negociações os princípios básicos que já conhecemos há mais de 20 anos – a volta às fronteiras de 1967, a criação de um Estado Palestino ao lado de Israel, Jerusalém Oriental capital do Estado Palestino, uma solução acordada para o problema dos refugiados. Outro tema sobre o qual também já há consenso, inclusive dos palestinos e da Liga Árabe, é que alguns blocos de assentamentos permanecerão sob soberania israelense, e, em troca, Israel entregará aos palestinos uma parcela de seu território, com área idêntica.

OM – Qual é o impacto da Primavera Árabe sobre as chances de paz entre israelenses e palestinos?
UA – Por um lado o impacto é positivo, pois os países árabes não estão em condições de opor obstáculos a um acordo.

Por outro lado é negativo, pois as turbulências no mundo árabe assustam os israelenses e fortalecem todos os estereótipos e preconceitos que eles têm acerca dos árabes.

OM – Qual é o papel da imprensa e da mídia israelenses no processo de paz entre israelenses e palestinos?
UA Infelizmente o papel de 99% da imprensa, tanto escrita como eletrônica, é negativo. Há algumas exceções, mas a grande maioria da imprensa contribui para uma atmosfera destrutiva para a paz, pois fortalece os preconceitos contra os árabes.

Muitos dos jornalistas funcionam como porta-vozes do governo e, principalmente quando se trata de assuntos rotulados como segurança, se alinham automaticamente com a posição do governo.

O pior é que muitos jornalistas expressam um profundo desprezo ao mundo árabe em geral, e não se pode fazer a paz com alguém que se despreza. É mais fácil fazer a paz com alguém que se odeia mas se respeita.

OM – O senhor está escrevendo um novo livro?
UA – Sim, estou quase terminando. É uma autobiografia que começa com o meu nascimento, na Alemanha, e termina com a morte de minha mulher, Rahel, há dois anos.

Serão dois tomos. O primeiro, de 20 capítulos, já está concluido. E também já terminei 22 capítulos do segundo tomo, faltam mais três.

OM – O senhor dedicou 67 anos da sua vida à paz entre israelenses e palestinos. Em vista dos resultados que observamos, valeu a pena?
UA – Sim, sem dúvida. No plano da luta pela consciência do público, local e internacional, tivemos uma grande vitória. Após a guerra de 1948, quando falei sobre a criação de um Estado Palestino ao lado de Israel, ninguém em Israel reconhecia a existência do povo palestino e ninguém concordava com qualquer coisa semelhante a um Estado Palestino.

Em 1969 fui a Washington e não consegui encontrar sequer um politico norte-americano, nem na Casa Branca nem no Departamento de Estado, que apoiasse a ideia de um Estado Palestino ao lado de Israel. Hoje essa ideia é consenso mundial, até Netanyahu foi obrigado a dizer que a aceita. Considero essa mudança uma grande vitória. Mas, mesmo se fosse um total fracasso, faria tudo novamente.
Uri Avnery, pacifista israelense, o primeiro a passar a fronteira e encontrar Yasser Arafat em 1982
Opera Mundi

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